O que diz o Plano Nacional de Energia – 2050?
Qual o planejamento do governo para o avanço do setor de energia nas próximas décadas? O Plano Nacional de Energia visa trazer respostas e indicar caminhos
Em 2020, o apagão no Amapá ligou um sinal de alerta para todo o governo brasileiro.
Embora se trate de uma região menos estruturada do que o restante do país, seria impossível imaginar que a maior parte de um estado ficaria sem energia por 20 dias. A fim de dar sustentação ao crescimento do país com segurança, é importante que a capacidade energética se desenvolva para garantir o fornecimento de energia com segurança e eficiência.
Tendo em vista este contexto, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) lançou o Plano Nacional de Energia – 2050. Trata-se de um documento que dá indicativos – por meio de recomendações e diretrizes – sobre como o setor deve se desenvolver nas próximas décadas.
A atuação de forma profissional da empresa é importante especialmente sob o ponto de vista técnico. Com as prováveis modificações de governo federal de forma periódica, surgem novas diretrizes e abordagens sobre a questão energética — é o caso da recente criação de uma pasta para energias renováveis.
Dessa forma, a EPE apresenta quatro objetivos norteadores para o setor, independentemente de perfis políticos: segurança energética, retorno adequado aos investimentos, disponibilidade de acesso à população e critérios socioambientais.
“O PNE 2050 reforça o compromisso com a transparência pública e se propõe a auxiliar o País a construir consensos em torno de grandes elementos norteadores para o setor energético, a partir de uma leitura de custos e benefícios que alcance um horizonte de longo prazo”, diz o documento em sua apresentação.
“As decisões sobre a política energética têm repercussão de longo prazo, basta observar como escolhas no passado, décadas atrás, resultaram no desenvolvimento dos biocombustíveis, da energia nuclear, da hidroeletricidade, dentre outras, que moldaram a matriz energética brasileira”, reforça.
Projeções
No comparativo com 2015, a expectativa é que, em um cenário otimista, a demanda por energia possa triplicar até 2050, saindo de 73 mil MW médios para 241 mil MW médios. Em um contexto de estagnação, o consumo médio seria de 102 mil MW médios. Isso demonstra que o plano “dialoga com distintas possibilidades e ambientes de incerteza”.
Em 2022, por exemplo, o Brasil registrou expansão do seu crescimento de energia e, ao mesmo tempo, teve um aumento da geração de energia renovável.
A iniciativa segue dez princípios
O Plano Nacional de Energia se foca em dez pontos considerados cruciais:
1) Neutralidade Tecnológica – A adequação de recursos deve garantir a neutralidade tecnológica na expansão requerida para que a confiabilidade do suprimento seja garantida.
2) Fomento à Concorrência – Deve-se garantir a livre concorrência em todos os segmentos
3) Isonomia – Não deve haver tratamento assimétrico ou discriminatório entre agentes (do lado da oferta e da demanda), entre ambientes de contratação (livre ou regulado) ou de acesso a infraestruturas essenciais.
4) Eficiência – A alocação de recursos deve ser guiada primordialmente pela busca da eficiência.
5) Previsibilidade – É fundamental a definição, por parte das autoridades do setor, de regras claras, transparentes e previsíveis para reduzir as incertezas de investimentos, gerando o ambiente de negócios capaz de fomentar a eficiência.
6) Simplicidade – É preciso perseguir políticas que garantam a segurança jurídica dos contratos de forma a se reduzirem riscos e incentivar investimentos, evitando-se cláusulas e regras complexas.
7) Transparência – As autoridades do setor devem prestar contas e se responsabilizar pelo que fazem ou optam por não fazer na condução de seus respectivos mandatos.
8) Coerência – As decisões em relação ao setor de energia devem observar uma ótica integrada.
9) Sustentabilidade – O setor de energia deve estar alinhado com a promoção do desenvolvimento sustentável.
10) Precaução – As decisões no setor de energia costumam ter consequências no longo prazo.
No documento, há uma explicação para a escolha destes princípios:
“O papel e a atuação do governo no setor de energia passam por transformações, seja pela crescente complexidade dos sistemas de produção, transporte e distribuição de energia, quanto pelas mudanças provocadas por uma perspectiva de maior descentralização, liberdade de escolha dos atores e maior liberalização dos mercados de energia”, informa.
“No caso do Brasil, os elevados montantes de investimento requeridos à expansão do setor de energia e a necessidade de atração do setor privado para a efetivação dessa expansão levaram as autoridades do setor de energia a reorientar sua atuação a partir de um conjunto de princípios que buscam direcionar o aprimoramento do arcabouço legal e infralegal dentro de uma visão de longo prazo”.
Os modais em 2050
As projeções em 2050 mostram que a capacidade instalada ainda será predominantemente hidrelétrica (73%), biomassa (8%), geração distribuída e gás natural (ambos com 5%), potência complementar (3%) e eólica (3%). Conforme o documento, uma matriz elétrica potencialmente 100% renovável poderia ser alcançada.
“A parcela não-renovável da matriz (de cerca de 0,5% da capacidade instalada em 2050) corresponderia às termonucleares do complexo de Angra, já que no horizonte de 2050, elas ainda não teriam sido totalmente retiradas do parque de geração nacional”, diz.
Transição Energética
O Plano mostra preocupação com a transição energética. Não se trata de um processo linear e de ruptura, mas de coexistência, com substituição progressiva de fontes.
“O atual processo de transição energética tem sido embasado por condicionantes como desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas e inovações tecnológicas associadas à eletrônica e à entrada na era digital”, diz.
A economia de baixo carbono e a menor pegada ambiental serão dois norteadores. Com a redução da presença em modais mais poluentes em favor de fontes mais sustentáveis, como eólica e solar.
Entre os modais que devem ganhar destaque, estão os biocombustíveis e o gás natural. “Internacionalmente é percebido que o gás natural, reforçado e progressivamente substituído pelo biogás/biometano, terá o papel de integrar os paradigmas tecnológicos dos combustíveis fósseis e das renováveis ao viabilizar maior introdução de fontes renováveis não despacháveis no setor elétrico”, diz.
Os três desafios principais para tal são: (1) desenho de mercado e arcabouço regulatório e institucional, que não potencializam a transição energética, (2) incertezas sobre a evolução do setor e (3) multiplicidade de dimensões da transição energética.
Descarbonização
Há cuidados a serem tomados na construção de uma estratégia de descarbonização, levando em conta a manutenção de fontes não emissoras de carbono na matriz e o processo de uma transição para a economia de baixo carbono:
1 – Política Energética – Foco em fontes não emissoras e com maior eficiência energética.
2 – Ambiental – Minimização de impactos socioambientais e respeito à legislação.
3 – Econômica – Estratégica vinculada às prioridades para a economia.
4 – Tecnológica – Adequação às potencialidades locais e contextos industriais e de desenvolvimento.
Descentralização
A descentralização entra neste planejamento, especialmente com novas tecnologias como a internet das coisas e a inteligência artificial. Assim como em outros segmentos, caso de transportes e comunicação, há tendência de descentralizar o fluxo de informações, das decisões de investimento e oferecimento de serviços — algo interessante, inclusive, do ponto de vista de segurança.
“Além dos recursos energéticos distribuídos (RED), com destaque para a geração fotovoltaica distribuída, tem-se a propagação de sistemas digitais que possuem autonomia para tomar decisões de forma descentralizada na chamada Indústria 4.0 e também a utilização do blockchain, que usa a descentralização como medida de segurança e potencializa a realização de transações peer-to-peer”, diz o Plano.
O propósito é que o consumidor tenha um papel mais ativo dentro do sistema energético, o que vai refletir em aspectos tecnológicos (uso dos recursos de forma sinérgica), desenhos de mercado (criação de um ambiente promissor) e novos negócios ( distribuição e surgimento de novos agentes).
Uma das preocupações é que as novas políticas devem considerar não só o aumento do consumo de energia, mas os novos interesses do consumidor e os pontos que impactam em sua satisfação – que espera ter mais controle de suas decisões e da gestão de energia. Além disso, há a possibilidade da economia do compartilhamento, no qual os próprios consumidores podem dividir energia diretamente no chamado peer-to-peer.
Lembrando que é possível conferir o documento da EPE na íntegra.