Câmara discute subsídios sobre a geração distribuída
Marco Regulatório sobre a geração distribuída chegou a entrar em pauta em abril e em maio, mas acabou não sendo votado
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A Câmara Federal deu indícios de que deve, enfim, começar a discutir os subsídios sobre a geração distribuída. O Projeto de Lei 5829/2019, conhecido como Marco Regulatório da Geração Distribuída, chegou a entrar para discussão da Casa em abril, mas acabou sendo deixado de lado. No entanto, a manobra indica que o tema tem potencial de voltar à pauta nos próximos meses — o que aconteceu em maio, mas ainda sem discussão em definitivo pelo plenário.
O conceito de um Marco Regulatório é de definir uma base jurídica estável e previsível para o segmento. Dessa forma, estabelecem-se regras claras para a evolução do segmento como um todo, beneficiando as empresas responsáveis e tornando o consumidor protagonista.
No setor de energia, fundamental no setor de infraestrutura do país, o foco também é em gerar emprego e renda, fortalecer a proteção do meio ambiente e incentivar o desenvolvimento econômico e social.
Os dois lados da geração distribuída
Independentemente de a produção ser no próprio local ou remota, a geração distribuída (GD) oferece vantagens aos consumidores, especialmente não ficar à mercê dos custos do sistema. Por se tratar de um modelo de produção intermitente – é impossível gerar energia sem sol, não à toa recebeu o nome de “taxa do sol” –, os espaços podem ceder o excedente ao sistema geral e usá-los nos momentos de necessidade (dias nublados ou à noite, por exemplo).
O consumidor de GD, contudo, não paga encargos assumidos por todos os clientes, como o custo da rede de transporte de energia e seus respectivos encargos. É justamente aí que começam a aparecer as primeiras dificuldades relativas ao processo, já que as distribuidoras gostariam de ser remuneradas pelo uso de sua infraestrutura, assim como acontece em outros setores, como o de saneamento e abastecimento de água.
Além disso, no primeiro semestre do ano passado, dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) mostraram aumento de 77% na geração distribuída em comparação ao primeiro semestre do ano anterior, indicando também a queda nos custos para montar um sistema de GD.
Não à toa, a potência instalada em energia solar saiu de 1.160 MW em 2017 para 8.813 MW em 2021, sendo que 62% representam o segmento de geração distribuída. As principais críticas são de que quem investe neste setor ganha uma espécie de subsídio cruzado, que, em última análise, acaba prejudicando todos os consumidores, pois há o repasse das distribuidoras na tarifa de energia.
Interesses a se conciliar
Em matéria recente do Estado de São Paulo, a proposta do deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) pretende estabelecer um período de isenção de 25 anos para a vigência completa do Marco Regulatório para quem já atua na área de geração distribuída. Para novos consumidores, a isenção teria prazo máximo de 10 anos. Há crítica de que estes prazos são muito elásticos e que a transição deve durar menos tempo.
Conforme matéria mais recente do jornal O Globo, fala-se em um período de transição de oito anos. Além disso, haveria um prazo de até um ano para que projetos que comecem operar até um ano depois da aprovação do Marco Regulatório seguissem com as regras vigentes.
A urgência para a discussão se deve ao ponto de vista da Câmara que a conta do segmento está sendo paga por todos, incluindo os mais pobres, e os subsídios beneficiam setores e cidadãos com potencial para não ter isenção em seus investimentos. Alguns parlamentares chegaram a definir a situação como “Robin Hood às avessas”.
Quem paga a conta da geração distribuída?
Explica-se: a conta de subsídios para o uso da energia solar é paga por todos os consumidores, mas os investimentos e a instalação de equipamentos não necessariamente são feitas pela população de menor renda do país. “Energia solar é bom e devemos investir nisso, mas não às custas da classe média e dos mais pobres”, disse o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) ao Estadão.
Nesse contexto, as chamadas fazendas solares — que geram até 5 MW de energia — passaram a receber críticas de diversos parlamentares. Como elas vendem cotas para consumidores residenciais, são investimentos custosos e feitos por empresários, que não teriam necessidade de ter benefícios. Recentemente, a Ebes passou a investir neste negócio, como mostramos neste artigo do blog.
Por outro lado, pelo lado das entidades que defendem o texto do Marco Regulatório, há o argumento de a energia solar é benéfica sob as óticas ambiental, econômica e social, o que justificaria uma divisão de custos entre toda a sociedade. Um cálculo da Absolar estima que, até 2050, a energia solar vai economizar R$ 150 bilhões apenas com o não acionamento das usinas térmicas.
Outro tema em pauta alinhado ao tópico é a possível retirada do subsídio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para ser assumido pelo governo federal, o que não daria prejuízos a todos os consumidores.
Entenda o histórico do tema
Os consumidores que instalaram painéis solares para consumo próprio desde 2012 receberam isenções, especialmente para o uso da infraestrutura do sistema. Esses recursos aos quais o governo abriria mão para o incentivo ao desenvolvimento da energia solar, na realidade, apenas foram transferidos para a conta de luz dos demais contribuintes. No início de 2020, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tentou reverter essas vantagens.
As estimativas da Aneel são de que os subsídios custem de R$ 11 a R$ 13 bilhões até 2025 – só em 2018, a projeção foi de que o impacto alcançou R$ 205 milhões. Em seu projeto inicial, a Aneel pretendia cobrar de forma escalonada entre 2020 e 2030: neste ano, apenas novos consumidores seriam cobrados e, em 2030 ou quando a GD chegasse a 5,9 GW, todos passariam a arcar com esse custo. O argumento da Aneel é que a cobrança é necessária para que o sistema cresça de forma sustentável.
Em 2019, a instituição realizou a consulta pública 025/2019 para discutir “subsídios e informações adicionais referentes às regras aplicáveis à micro e mini geração distribuída para a elaboração da minuta de texto à Resolução Normativa nº 482/2012”. A entidade alega que, desde 2012, a GD se desenvolveu e pode ter menos apoios – em outubro do ano passado, eram cerca de 400 mil unidades consumidoras capazes de produzir a própria energia a partir do sol, inclusive prédios governamentais.
Os custos dos equipamentos para fazer a instalação e produção precisam ser levado em consideração, segundo a entidade. Em um período de 8 anos, houve redução dos valores dos equipamentos e do sistema necessário para produzir energia, o que torna a GD mais disseminada e seus custos mais sentidos pelo sistema como um todo – com tempo de retorno de investimento menor.
Os contrários à taxação alegam, por outro lado, que a cobrança reduz os incentivos à migração para GD, que usa um modal considerado limpo e ecológico, alinhado a uma economia sustentável.
“Taxa do sol”?
Apesar de a discussão ter sido chamada de “taxa do sol”, os valores cobrados pela Aneel não estão relacionados à produção da energia propriamente dita, mas a estrutura necessária para o seu uso. Se a GD for excedente à unidade consumidora, ela exige que o sistema seja adaptado para permitir o abastecimento nos momentos de baixa e o repasse na alta. Portanto, haveria a necessidade de cobrar pelo adoção do sistema instalado.
O assunto subsídios está recorrente na pauta da Aneel, visto que há um interesse da entidade em reduzir possíveis discrepâncias no sistema e torná-lo mais sustentável e menos oneroso. No início de 2019, já havia ocorrido uma corrida de consumidores para a GD devido à possibilidade de cobrança pelo uso da infraestrutura.
A Conta de Desenvolvimento Energético
Os parlamentares terão que, em breve, se debruçar sobre alguns desses assuntos. Algumas medidas e sugestões da Aneel e de outros players dependem da votação e das intervenções de deputados e senadores – ou seja, haverá argumentos e lobbys de diversos setores envolvidos nesta disputa. Uma das grandes discussões envolve a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), quando as distribuidoras foram socorridas na crise de 2014 com um empréstimo de R$ 21 bilhões.
Gerida pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) desde 2016, a CDE é usada para subsidiar desde a aquisição de combustível fóssil para geração de energia Norte e Nordeste até os projetos baseados em fontes de energia renovável, assim como descontos na conta de luz de grupos considerados de baixa renda, para setores como irrigação e agricultura, além de investimentos para universalizar a energia no país.
No texto do Marco Regulatório do Setor Elétrico, constam o fim dos subsídios para as fontes renováveis, entre elas a eólica e a solar. O entendimento do Projeto de Lei é de que já há condições para que esses dois modais possam concorrer com outras fontes em condições muito semelhantes, o que era inviável há alguns anos.
Há diversos especialistas defendendo para a CDE o mesmo que deveria ser realizado com o transporte público: deve ser bancado por todos os cidadãos, inclusive quem não “os usa”. Em outras palavras, a CDE deveria constar no orçamento do governo, por se tratar de uma política pública. Dessa maneira, ela teria impactos muito menos representativos no setor.
Em um infográfico, o jornal Valor Econômico mostrou o peso da CDE na tarifa dos consumidores das cinco regiões do país. O jornal condensou o Sul, Sudeste e Centro-Oeste em um grupo e o Norte e Nordeste em outro. Em 2016, a CDE representava 7,9% dos custos dos estados mais ao sul e 1,7% mais ao norte. Em 2019, esses índices subiram para 9,7% e 3%, respectivamente. Em 2020, as projeções são de 11,4% e 3,7%.
Ou seja, de cada R$ 100 pagos na tarifa de energia pelo consumidor das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, R$ 11 serão direcionados apenas aos custos da CDE, que, para muitos, acaba mascarando ineficiências do setor.